Do Dr. Rui Moreira, Presidente da Associação Comercial do Porto, recebemos o texto que abaixo se transcreve, em resposta ao «post» Comércio e Cultura. Quero, como autor do «post» que provocou esta resposta e em nome do Blasfémias, agradecer ao Dr. Rui Moreira a contribuição para um debate livre e naturalmente civilizado em torno de um assunto da importância do que está em causa.
cultura, comércio e confusões
Percebo perfeitamente que não estejam de acordo com o que tenho dito sobre o Rivoli. Cada um de nós tem opiniões diferentes. Divertem-me imenso os comentários mais insultuosos. Fico sempre a pensar no prazer pessoal que quem o faz, normalmente a coberto de iniciais, consegue obter e agrada-me contribuir para essa felicidade efémera.
Infelizmente, que muitos dos que comentam as minhas declarações à TSF, que me pediu hoje uma opinião sobre o caso "Rivoli", não ouviram o que eu disse. Não levo a mal sequer as acusações de contorcionismo, porque confesso que quanto mais vivo menos certezas tenho. O que eu disse e o que eu penso já agora porque nem tudo pude dizer:
Por hábito, por convicção e por obrigação enquanto Presidente da Associação Comercial do Porto, sou a favor da iniciativa privada. Na cultura, há certamente lugar para essa iniciativa privada. (Já agora, não sou daqueles que acha que tudo o que tem público é entretenimento, e que o que está "as moscas" é boa cultura). Ora, se a cultura tem um interesse público notório, pode-se inferir que a cultura privada pode ser prestar um relevante serviço público. A Câmara poderia mesmo ter dito que ia fazer um concurso público, e que iria subsidiar através de indemnizações compensatórias quem viesse a ficar com a concessão. Ora, não é isso que se passa como sabem. Quem vier a gerir o Rivoli terá que enfrentar as exigências já anunciadas que impedem o compromisso entre o serviço público. O privado que vier a ficar com a concessão vai ter de apostar em espectáculos para o grande público, nos sucessos de bilheteira. Ora, o que eu disse é que esses espectáculos já decorrem no Coliseu e, se fosse o case de haver mais privados interessados, poderiam sempre adquirir o teatro Sá da Bandeira, ali ao lado, que continua à procura desse mesmo operador privado...###
O que eu também disse, e recorri a um exemplo que achei particularmente feliz que encontrei num comentário no blog "A Baixa do Porto", da autoria de Hélder Sousa (http://www.porto.taf.net/dp/node/664 ), que escreveu que é que o que diferencia o serviço público da actividade privada é a necessidade de garantir o equilíbrio entre as necessidades das maiorias e das minorias, " (ou como se diz neste executivo, as elites), também têm que ser protegidas e não podemos deixar que a oferta cultural seja só para o grande público. Porque determinada linha do autocarro tem poucos passageiros ? insuficientes para pagar o autocarro que por lá passa ? não se acaba com ela e se obriga os passageiros que a utilizam a andar a pé".
Por isso disse que há lugar para o oferta cultural privada e para a oferta cultural pública, e que o Estado central e as autarquias não podem deixar de ter uma política cultural que promova a excelência e a diferença, nos casos em que estas não são auto-suficientes. Ora, o que entendo, e isso é a minha opinião e de muitos outros como por exemplo de Marcelo Mendes Pinto que foi vereador da cultura e se veio embora porque não tinha condições, é que o nosso Presidente da Câmara não tem uma política cultural para a cidade, e que o que se está a passar é uma consequência dessa sua visão.
Eu sei que os meus amigos partilham o meu liberalismo económico. Mas, que diabo, acham que Serralves e a Casa da Música, por muito bons mecenas que existam, podiam sobreviver sem o apoio do Estado? Tem havido entre nós um equívoco profundo. Confunde-se o louvável mecenato dos privados e a sua boa prestação na gestão dos equipamentos com a sua auto-sustentabilidade... Que não existe sem o apoio do Estado. E, se nós pagamos os nossos impostos, não é lícito que pelo menos alguns de nós entendam que uma parte deles deve ser devolvido na forma de uma oferta cultural que, de outra forma, não estaria disponível? Por isso, o que eu mais critico não é, na essência, a possibilidade de um agente privado poder vir a operar no Rivoli. Nada disso, e confesso que sempre tive dúvidas sobre a Culturporto e alguns vícios instalados. Mas não é essa a questão! A questão é mais profunda.
O que critico é que, por falta de uma visão estratégica e integrada para a cultura, que ainda por cima e como se sabe potencia muitas outras valências, o Senhor Doutor Rui Rio esteja, com argumentos que me parecem falaciosos, a entregar o Rivoli a um modelo privado que me parece errado e, certamente, não trará nada de novo, nada de substancialmente diferente daquilo que se está a fazer ou a não fazer por exemplo no Batalha, que já agora foi auxiliado pela CMP como se sabe...
O que me parece intolerável é que um equipamento, com a melhor sala de teatro do Porto e com duas salas de cinema únicas, que foi recuperado em finais dos anos 90 (não foi pela Porto2001 como ouvi invocar ao nosso Presidente) com Fundos Europeus, esteja condenado a não ser mais do que aquilo que o Sá da Bandeira pode muito bem ser. Ainda bem que o Teatro Nacional de S. João não depende da Câmara Municipal do Porto....Já agora, acho muito bem, e já o disse ao JN, que a CMP procure uma alternativa para o Rosa Mota, porque ao contrário do Rivoli, é um equipamento abandonado, a precisar de uma grande intervenção, e a iniciativa e o rasgo privados poderão encontrar para lá uma excelente solução.
O que me incomoda é que se confunda o mérito da gestão privada com a programação cultural privada, ainda por cima condicionada por critérios micro-económicos de auto-sustentabilidade.
O que acredito é que a cultura não pode estar condicionada à lógica do mercado. Podem interagir, é certo. Mas não se podem confundir.
Rui Moreira
cultura, comércio e confusões
Percebo perfeitamente que não estejam de acordo com o que tenho dito sobre o Rivoli. Cada um de nós tem opiniões diferentes. Divertem-me imenso os comentários mais insultuosos. Fico sempre a pensar no prazer pessoal que quem o faz, normalmente a coberto de iniciais, consegue obter e agrada-me contribuir para essa felicidade efémera.
Infelizmente, que muitos dos que comentam as minhas declarações à TSF, que me pediu hoje uma opinião sobre o caso "Rivoli", não ouviram o que eu disse. Não levo a mal sequer as acusações de contorcionismo, porque confesso que quanto mais vivo menos certezas tenho. O que eu disse e o que eu penso já agora porque nem tudo pude dizer:
Por hábito, por convicção e por obrigação enquanto Presidente da Associação Comercial do Porto, sou a favor da iniciativa privada. Na cultura, há certamente lugar para essa iniciativa privada. (Já agora, não sou daqueles que acha que tudo o que tem público é entretenimento, e que o que está "as moscas" é boa cultura). Ora, se a cultura tem um interesse público notório, pode-se inferir que a cultura privada pode ser prestar um relevante serviço público. A Câmara poderia mesmo ter dito que ia fazer um concurso público, e que iria subsidiar através de indemnizações compensatórias quem viesse a ficar com a concessão. Ora, não é isso que se passa como sabem. Quem vier a gerir o Rivoli terá que enfrentar as exigências já anunciadas que impedem o compromisso entre o serviço público. O privado que vier a ficar com a concessão vai ter de apostar em espectáculos para o grande público, nos sucessos de bilheteira. Ora, o que eu disse é que esses espectáculos já decorrem no Coliseu e, se fosse o case de haver mais privados interessados, poderiam sempre adquirir o teatro Sá da Bandeira, ali ao lado, que continua à procura desse mesmo operador privado...###
O que eu também disse, e recorri a um exemplo que achei particularmente feliz que encontrei num comentário no blog "A Baixa do Porto", da autoria de Hélder Sousa (http://www.porto.taf.net/dp/node/664 ), que escreveu que é que o que diferencia o serviço público da actividade privada é a necessidade de garantir o equilíbrio entre as necessidades das maiorias e das minorias, " (ou como se diz neste executivo, as elites), também têm que ser protegidas e não podemos deixar que a oferta cultural seja só para o grande público. Porque determinada linha do autocarro tem poucos passageiros ? insuficientes para pagar o autocarro que por lá passa ? não se acaba com ela e se obriga os passageiros que a utilizam a andar a pé".
Por isso disse que há lugar para o oferta cultural privada e para a oferta cultural pública, e que o Estado central e as autarquias não podem deixar de ter uma política cultural que promova a excelência e a diferença, nos casos em que estas não são auto-suficientes. Ora, o que entendo, e isso é a minha opinião e de muitos outros como por exemplo de Marcelo Mendes Pinto que foi vereador da cultura e se veio embora porque não tinha condições, é que o nosso Presidente da Câmara não tem uma política cultural para a cidade, e que o que se está a passar é uma consequência dessa sua visão.
Eu sei que os meus amigos partilham o meu liberalismo económico. Mas, que diabo, acham que Serralves e a Casa da Música, por muito bons mecenas que existam, podiam sobreviver sem o apoio do Estado? Tem havido entre nós um equívoco profundo. Confunde-se o louvável mecenato dos privados e a sua boa prestação na gestão dos equipamentos com a sua auto-sustentabilidade... Que não existe sem o apoio do Estado. E, se nós pagamos os nossos impostos, não é lícito que pelo menos alguns de nós entendam que uma parte deles deve ser devolvido na forma de uma oferta cultural que, de outra forma, não estaria disponível? Por isso, o que eu mais critico não é, na essência, a possibilidade de um agente privado poder vir a operar no Rivoli. Nada disso, e confesso que sempre tive dúvidas sobre a Culturporto e alguns vícios instalados. Mas não é essa a questão! A questão é mais profunda.
O que critico é que, por falta de uma visão estratégica e integrada para a cultura, que ainda por cima e como se sabe potencia muitas outras valências, o Senhor Doutor Rui Rio esteja, com argumentos que me parecem falaciosos, a entregar o Rivoli a um modelo privado que me parece errado e, certamente, não trará nada de novo, nada de substancialmente diferente daquilo que se está a fazer ou a não fazer por exemplo no Batalha, que já agora foi auxiliado pela CMP como se sabe...
O que me parece intolerável é que um equipamento, com a melhor sala de teatro do Porto e com duas salas de cinema únicas, que foi recuperado em finais dos anos 90 (não foi pela Porto2001 como ouvi invocar ao nosso Presidente) com Fundos Europeus, esteja condenado a não ser mais do que aquilo que o Sá da Bandeira pode muito bem ser. Ainda bem que o Teatro Nacional de S. João não depende da Câmara Municipal do Porto....Já agora, acho muito bem, e já o disse ao JN, que a CMP procure uma alternativa para o Rosa Mota, porque ao contrário do Rivoli, é um equipamento abandonado, a precisar de uma grande intervenção, e a iniciativa e o rasgo privados poderão encontrar para lá uma excelente solução.
O que me incomoda é que se confunda o mérito da gestão privada com a programação cultural privada, ainda por cima condicionada por critérios micro-económicos de auto-sustentabilidade.
O que acredito é que a cultura não pode estar condicionada à lógica do mercado. Podem interagir, é certo. Mas não se podem confundir.
Rui Moreira