Discutir a guerra com os critérios da paz é uma tarefa inútil e inconsequente. Poderá levar a uma sucessão de acusações mútuas e hipócritas entre os partidários de cada uma das facções, e nada mais. Não servirá certamente para se perceber a natureza da guerra e ainda menos para se perceber como um conflito pode ser resolvido de forma racional.
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Uma guerra é uma violação das relações civilizadas e das normas prevalecentes em tempo de paz, pelo que é inútil exigir dos beligerantes comportamentos que não aqueles que fazem parte dos costumes da guerra. Mesmo os costumes da guerra só em situações muito excepcionais, em que nenhuma das partes está desesperada, é que eles são cumpridos à risca.
Vem isto a propósito da actual guerra no Líbano e também de Guantanamo. Muitas pessoas parecem esperar que Israel se comporte em guerra seguinte determinadas normas estritas próprias de um tempo de paz. Espera-se uma reacção proporcional e zero baixas entre os civis. Ora, o objectivo de um país em guerra é ganhá-la. A guerra não é propriamente um concurso de simpatia. Precisamente porque a guerra já é a violação mais grave que se possa imaginar das regras da paz, todas as outras são secundárias.
No caso de Guantanamo, espera-se que os EUA apliquem os direitos expressos na sua constituição a combatentes inimigos, irregulares, não cidadãos e colocados em território não americano. Nenhuma democracia alguma vez fez isso. Em todas as democracias do mundo os direitos protegidos pela constituição são atribuidos aos nacionais e quanto muito aos residentes. Mas nunca aos prisioneiros de guerra capturados ao inimigo. E nem as regras da guerra se costumam aplicar a combatentes irregulares de organizações terroritas. Na prática, as convenções internacionais costumam aplicar-se apenas e só nos casos em que a outra parte está em condições de garantir alguma retribuição do mesmo tratamento.
Analisar os conflitos internacionais como se existisse um estado de direito mundial é um erro. A sociedade internacional é uma sociedade anárquica em que as regras ainda se encontram em formação. As regras internas dos estados de direito nacionais não podem servir de modelo nem seriam úteis a uma sociedade internacional anárquica. Nem se deve esperar que a sociedade internacional deixe de ser anárquica nos próximos tempos. Isto claro, se o que se pretente é compreender e resolver os conflitos. Claro que quem pretende expressar a sua indignação moralista e inútil pode continuar a usar a abordagem tradicional.