3.3.04

O dia foi da Sara

No Parlamento tudo se passou conforme se previa. Os deputados fizeram aquilo que lhes mandaram e os "divergentes", devidamente autorizados, deram o costumado "ar de sua graça".

Nas galerias, os Apóstolos de ambos lados - na feliz expressão de Helena Matos - vociferaram contra o facto dos "outros" não terem a consciência formatada do mesmo modo que a sua.

A grande novidade do dia foi, para mim, esta posta da Sara Muller. Percebi que foi redigida com emoção. Mas isso não atenua o exagero forçado da generalização inicial: «Não conheço na minha geração e nas anteriores e posteriores que me estão próximas, quase nenhuma rapariga ou mulher que não tenha abortado, pelo menos, uma vez na vida».

Calma! Não conhece a Sara, mas conheço eu. Todas as generalizações são falsas, incluindo esta última. O aborto é problema candente, mas não é uma fatalidade que atinge todas as mulheres portuguesas.

Mas o que apreciei naquilo que a Sara escreveu é o prisma feminino. Estou farto de ver homens a sentenciar sobre um tema acerca do qual só nos apercebemos dos contornos. Quem advoga o dogma da responsabilização feminina a qualquer custo não pode deixar de perceber que nós, os homens, somos normalmente os primeiros a dizer que "elas" têm de resolver o problema - "delas", naturalmente.

Correndo o risco de irritar muito boa gente, começo mesmo a pensar se a legitimidade acrescida das mulheres na discussão e nas decisões sobre este tema não deveria ter alguma implementação prática. Será que "elas" o desejariam? Não sei.

Já agora, se alguém souber que me esclareça: é verdade que no referendo a abstenção feminina foi superior à masculina?