11.7.06

REALMENTE, NÃO ADIANTA

Fiz o check-in no aeroporto cerca de 1.30h antes da hora marcada para a partida. Junto-me a mais alguns portugueses que estão à espera do mesmo voo. Pergunto se alguém sabe se há algum atraso previsível. Respondem-me com aquele ar que todos sabemos ter perante as fatalidades irreparáveis do destino que «até agora, ninguém disse nada». Espero. A hora aproxima-se e nada. Nem um movimento que fizesse antecipar a partida. Começo a antever o pior. Desde altura em que comprei os bilhetes que me maldigo a mim mesmo por ter escolhido a TAP. ### Tinha outras companhias à disposição mas aquela mania de tentar poupar uns eurozitos fez-me escolher a transportadora nacional. Depois disso imergi num arrependimento feito das recordações abomináveis das esperas nos mais variados aeroportos que a TAP me fez padecer. Já viajei para quase todo o mundo e em dezenas de companhias aéreas. De uma maneira geral os voos cumprem os horários - a TAP não. Nunca até hoje viajei pela TAP sem que existisse atraso. Seja qual for a distância do voo. Pode ser Porto-Lisboa; ou para outra qualquer cidade europeia; ou para outro continente. Não importa. Sempre que tenho a desdita de escolher a TAP (ou desta ser a única opção viável), a viagem mantém sempre o mesmo registo: atrasada. É uma espécie de imagem de marca já estabelecida e que nenhum responsável julga dever mudar.

Ainda assim, comprei bilhete nessa companhia. Porquê? Enquanto me interrogo a mim mesmo sinto uma vontade quase irresistível de me esmurrar pelo disparate reiterado. Não há resposta racional para uma coisa destas. Porque é que, de quando em quando, vamos ao cinema ver um filme português e compramos o bilhete num estado de imbecilidade maquinal embebidos na esperança vã de que "aquele filme" não seja a desilusão de todos os anteriores? Que motivo fará que percamos tempo a votar num partido ou em alguém quando a experiência e a razão nos garantem antecipadamente que estes farão exactamente o mesmo de todos os demais?
Pensava inconsequentemente neste tipo de questões quando chegou a hora marcada para a partida. Mas nada aconteceu. Os restantes passageiros esperavam, calados, com aquele olhar triste e resignado que todos costumamos ter nas repartições públicas. Dei umas voltas pelo aeroporto. Tal como suspeitava todos os restantes voos partiam a horas. Para Londres, Madrid, Frankfurt, os horários eram cumpridos. Interroguei uma funcionária - «uma hora de atraso» informou-me. Uma hora. Voltei à base e avisei a portuguesada. Rodearam-me e repetiram várias vezes «uma hora». Percebi algum alívio à minha volta. «Acham pouco?» perguntei agastado. «Podia ser pior» garantiu-me uma mulher carregada de sacos de plástico. Pois sim.
A tal hora passou. E nada. A nossa "porta" foi, entretanto, utilizada por um animado grupo de italianos cujo voo estava aprazado para 1.15h depois do nosso. Eles partiram a tempo.
De repente vimos pelas janelas um airbus pintado com as cores da TAP. «É ele, é ele» gritou-se. Mais 15 minutos e uma menina mandou-nos entrar para o autocarro. O avião partiu com cerca de 2h de atraso. Mas ninguém parecia importar-se. Muito menos a tripulação que não se incomodou em oferecer qualquer explicação.
Já em pleno voo chamei uma hospedeira. Perguntei se nos iam prestar algum esclarecimento. «Sobre quê?» perguntou ela arregalando os olhos. Pareceu-me até sincera. «Sobre o pequeno pormenor do atraso de 2h», respondi. Ela sorriu - «mas nós não temos culpa», apressou-se a dizer. Senti imediatamente o mesmo frémito assassino que me assalta quando estou ao balcão de uma secretaria pública. Sorri também - «claro que não, a culpa foi minha quando comprei um bilhete da TAP», confessei. A cara da mulher fechou-se. «O Comandante vai já explicar o que for preciso» garantiu enquanto me virava as costas.
Passados 15 minutos o "Comandante" falou. Identificou-se: Diogo Gonçalves do airbus Camilo Castelo Branco. Com o mesmo registo compulsivo da sua hospedeira "explicou" que o atraso, embora lamentável, era «totalmente alheio à TAP que não tinha qualquer responsabilidade no mesmo já que se devia ao tráfego aéreo intenso». Mais nada. Que raio de intensidade de tráfego tão selectiva que não parece afectar os outros voos de outras companhias que partem do mesmo aeroporto, pensei.
Voltei a chamar a hospedeira que me fulminou com os olhos. Usei uma antiga fórmula que costumo utilizar com os meus alunos que retardam a entrega de trabalhos - «Diga ao sr. Comandante que tão mau como o atraso são as desculpas bacocas». Ela afastou-se bastante irada.
Perto de mim estava um casal de velhotes que observavam atentamente a cena. Quando julgaram a hospedeira em distância segura, sussurraram-me: «o senhor tem toda a razão. Mas não adianta protestar. E a gente não pode fazer nada».
Pois não, pensei. Não adianta nada. Eles fazem o que fazem apenas porque podem. Porque todos aceitam. Os incumprimentos. As elucidações sem pés nem cabeça. Bovinamente. Somos um povo que admite qualquer desmando, qualquer abuso. Desde que venha de "cima". Somos assim há demasiado tempo. E não se vislumbra qualquer mudança. Realmente não adianta.