15.3.04

DEPRESSÃO E QUARENTENA



1. A última vez que me lembro de tanta unanimidade em torno da questão da paz, foi nos anos oitenta, quando o «mundo civilizado», com a excepção do Reino Unido, liderado pela Europa Ocidental, se opôs tenazmente à política de armamento de Ronald Reagan, sobretudo à sua «Guerra das Estrelas». Do outro lado da barreira, encontrava-se a União Soviética, com a qual todos desejavam dialogar. A União Soviética invadia, dominava e escravizava povos inteiros, e armava-se até aos dentes. Em contrapartida, a inteligentzia europeia queria "dialogar" com os falcões do Kremlin e considerava a política norte-americana perigosa e suicída.

2. À época, a ameaça que pairava no ar era bem superior do que as que impendem actualmente sobre todos nós: a guerra nucelar, entre dois blocos que arrastariam a humanidade para um conflito do qual não ficaria ninguém para contar a história. Reagan não cedeu, Thatcher apoiou-o até ao último momento, e, um dia, numa visita aos EUA, Gorbatchov percebeu que o programa de defesa americano era inatingível por uma URSS degradada e em crise, vítima de si mesma e de um sistema socialista que atrofira o seu desenvolvimento ao longo de décadas. A partir de então, a URSS relegou as questões militares para segundo plano e iniciou as necessárias reformas para o seu relançamento interno e internacional. Os resultados são conhecidos e os ganhos dos milhões de pessoas que habitavam no espaço soviético foram imensos.

3. Nunca vi um atentado terrorista que, em tão pouco tempo, fosse tão conclusivo e tão concludente, descobrindo-se os seus autores e os seus responsáveis. Hoje, ainda sem uma semana decorrida sobre o sucedido, já todos sabemos que: a) a ETA não teve qualquer intervenção no atentado; b) a responsabilidade material foi de comandos islâmicos ligados à al-Qaeda; c) a responsabilidade moral é de Aznar e de Bush, por terem invadido o Iraque (e porque não o Afeganistão?). Tanta pista semeada, tanta "manifestação espontânea", tanta informação disponível em apenas três dias! Espantoso.

4. As consequências deste atentado são mais profundas do que poderia pensar: a Espanha retirará do Iraque, a condenação internacional à política da Aliança crescerá. Blair vai passar maus momentos no Partido Trabalhista e Bush dificilmente será reeleito. O terrorismo conseguiu um volte-face internacional a seu favor. Já se fala, vejam bem, no reforço do protagonismo da União Europeia no Médio Oriente, como se a União fosse, sequer, capaz de cuidar de si própria, quanto mais dos outros. Como, também, já começaram as ladaínhas habituais - entre elas, as declarações de hoje do Sr. Romano Prodi - de que «com a força, nada se resolve».

5. O mundo ficou, por isso, desde ontem, bem mais perigoso. O terror sabe que tem reféns as populações do mundo livre, e uma mudança da Administração americana só poderá agravar a situação. Os Democratas nunca foram hábeis na política externa e, no limite da sua impotência optam pelo isolacionismo. Veremos, então, se nos falharem os EUA, quem irá dialogar com os terroristas e pôr ordem no Médio Oriente.

6. Chamberlain também quis a paz com a Alemanha. Fez todos os esforços nesse sentido. A Europa Ocidental, por receio a uma nova guerra, foi tolerando as agressões nazis. Havia, então, um tipo meio chato e desagradável, político reformado e com um percurso algo acidentado, que queria soluções de força para a força nazi. Chamava-se Churchill e também perdeu as eleições em 1945.

7. Razões pelas quais deveríamos estar todos em profunda depressão política. Ao invés, só vejo gente alegre e sorridente: agora, com esta vitória de Zapatero, os terroristas hão-de ficar mais sensíveis aos valores da democracia e da tolerância.
Por mim, entro em «quarentena política».