3.3.04

DIOGO FREITAS DO AMARAL



A direita portuguesa nunca faleceu de amores por Diogo Freitas do Amaral.
Quando, a seguir ao 25A, a direita sonhava com o regresso ao dia 24, Freitas alertava-a para essa impossibilidade material.
Quando ela pretendia a manutenção do Império, ainda que (para alguns) na disfarçada forma federal, Freitas lembrou os ventos da História.
Quando a direita se pretendia pôr à margem do regime democrático em formação, Freitas coligou-se com o PS, primeiro e, depois, com os social-democratas de Sá Carneiro e estabilizou o regime em definitivo.
Quando a direita se afirmava atlântica e com vocação africana, Freitas demonstrou que o futuro passava sobretudo pela Europa comunitária e pela adesão de Portugal à, então, CEE.
E, regra geral, sempre que a direita afirma valores que considera estruturantemente seus, Freitas situa-se à margem, noutra posição. Se é probicionista, como na droga e no aborto, Freitas tende para a liberalização. Se se manifesta intervencionaita e social, Freitas inclina-se para o mercado e para a iniciativa privada. Se defende a centralização administrativa, Freitas combate pela regionalização. Ainda recentemente, Freitas contribuíu com uma visão moderna para a reforma de dois sérios problemas portugueses: as prisões e o aborto.

É evidente que Freitas do Amaral tem uma dimensão estética e discursiva capaz de irritar um santo, imprópria, ela também, do estilo voluntarioso e decisionista - à moda de Cavaco, Monteiro e Portas - que tanto agradam à direita portuguesa. Mas, de um ponto de vista liberal, um governante não tem de ser um homem de Estado gaullista, mas um simples gestor inteligente e competente de recursos públicos. O poder carismático é, salvo melhor opinião, próprio dos países pouco civilizados, ou a atravessarem ciclos de turbulência.
Como é também óbvio que Freitas faz inúmeros disparates, como o de se manifestar ao lado da esquerda contra os EUA. A sua antipatia pelos norte-americanos é, aliás, o único traço em comum que mantém com a velha direita salazarista e gaullista, que ele tanto abomina.
Mas não se poderá deixar de dizer, ao contrário do que pensei durante anos, que Freitas do Amaral antecipou um registo de político de direita liberal que conviria a um Portugal civilizado. Como o seu mestre, Marcello Caetano, também Freitas do Amaral viu com lucidez o que os outros viram tarde ou nunca chegaram a ver. Não foi, por isso, um homem do tempo português em que viveu. É pena.