Quer se defenda o direito das mulheres à interrupção livre da gravidez, quer se propugne o contrário, há que convir que esta particular notícia causa estranheza e espanto.
Na verdade, num país onde, como ninguém ignora, se fazem abortos todos os anos aos milhares, em que a comunicação social publicita livremente as clínicas fronteiriças espanholas de «tratamento voluntário da gravidez», em que algumas figuras públicas assumiram, diga-se, aliás, corajosamente, que já cometeram esse tipo legal de crime sem que nada lhes tenha sucedido, e em que as famosas políticas de prevenção de gravidezes indesejadas e de apoio a quem assume a maternidade sem condições materiais para o fazer são o que todos sabemos, ver condenados a penas de prisão, mesmo que a maior parte suspensas, praticamente sem outros casos iguais precedentes, um médico, a sua assistente e três mulheres é verdadeiramente ignóbil.
Portugal é hoje, provavelmente foi sempre, um país de gente mansa, que não gosta de ver tocado o remanso do quotidiano. Para que os poderes públicos e privados e a "cidadania" fiquem de bem com as suas consciências, basta pegar em meia dúzia de casos e dar-lhes o estatuto e o tratamento de exemplos. Entretanto, a realidade é uma coisa que nos incomoda e para a qual preferimos não olhar, e que manifestamente, neste e em muitos outros casos, não bate certo com as normas jurídicas que a «ordenam».
Há alguns anos atrás, quando se fez o referendo sobre a descriminalização do aborto, ouviram-se discursos moralistas e salvíficos. Parecia que inúmeras personalidades e algumas instituições possuíam o remédio mágico para impedir as consequências naturais e óbvias da liberdade sexual, que marca a nossa época. Infelizmente, e não obstante o mais do que louvável esforço de muitas pessoas reunidas em instituições, que se dispõem a ajudar as poucas mães solteiras que podem receber e os seus filhos, tudo permaneceu exactamente como era. Esta sentença quebrou, da maneira mais absurda, a monotonia, mas também não alterará coisa nenhuma. Dir-se-á, mais uma vez, que se aplicou a lei e que somos um Estado de direito. Triste consolo.
Confesso, aqui, que em 1998 votei sentimentalmente contra a despenalização do aborto. Provavelmente, no próximo referendo, votarei racionalmente a favor.
Na verdade, num país onde, como ninguém ignora, se fazem abortos todos os anos aos milhares, em que a comunicação social publicita livremente as clínicas fronteiriças espanholas de «tratamento voluntário da gravidez», em que algumas figuras públicas assumiram, diga-se, aliás, corajosamente, que já cometeram esse tipo legal de crime sem que nada lhes tenha sucedido, e em que as famosas políticas de prevenção de gravidezes indesejadas e de apoio a quem assume a maternidade sem condições materiais para o fazer são o que todos sabemos, ver condenados a penas de prisão, mesmo que a maior parte suspensas, praticamente sem outros casos iguais precedentes, um médico, a sua assistente e três mulheres é verdadeiramente ignóbil.
Portugal é hoje, provavelmente foi sempre, um país de gente mansa, que não gosta de ver tocado o remanso do quotidiano. Para que os poderes públicos e privados e a "cidadania" fiquem de bem com as suas consciências, basta pegar em meia dúzia de casos e dar-lhes o estatuto e o tratamento de exemplos. Entretanto, a realidade é uma coisa que nos incomoda e para a qual preferimos não olhar, e que manifestamente, neste e em muitos outros casos, não bate certo com as normas jurídicas que a «ordenam».
Há alguns anos atrás, quando se fez o referendo sobre a descriminalização do aborto, ouviram-se discursos moralistas e salvíficos. Parecia que inúmeras personalidades e algumas instituições possuíam o remédio mágico para impedir as consequências naturais e óbvias da liberdade sexual, que marca a nossa época. Infelizmente, e não obstante o mais do que louvável esforço de muitas pessoas reunidas em instituições, que se dispõem a ajudar as poucas mães solteiras que podem receber e os seus filhos, tudo permaneceu exactamente como era. Esta sentença quebrou, da maneira mais absurda, a monotonia, mas também não alterará coisa nenhuma. Dir-se-á, mais uma vez, que se aplicou a lei e que somos um Estado de direito. Triste consolo.
Confesso, aqui, que em 1998 votei sentimentalmente contra a despenalização do aborto. Provavelmente, no próximo referendo, votarei racionalmente a favor.