"America at the crossroads. Democracy, power and the neoconservative legacy." é um livro de Francis Fukuyama, o autor de "The end of history and the last man". A edição analisada é a primeira edição, de 2006, da Yale University Press. À semelhança das anteriores obras do autor, também America at the crossroads é um livro de leitura agradável, atenta a assinalável clareza de exposição por parte do autor.
No prefácio, F. Fukuyama dá conta de uma preocupação central da obra - reflectir sobre o movimento neoconservador e sobre a posição dos EUA no mundo, especialmente após constatar que "unlike many other neoconservatives, I was never persuaded of the rationale for the Iraq war" (pág. x).
É dissecada a referida doutrina neoconservadora, desde logo nos seus aspectos históricos, incluindo análises ao pensamento de L. Strauss e de A. Wohlstetter, entre outros, culminando (pág. 48-9) numa súmula da referida doutrina, caracterizada, segundo F. Fukuyama, por quatro vectores fundamentais, a saber: 1) a convicção da importância do cariz interno dos regimes políticos e de que a política externa deve ter em conta os valores das sociedades liberais e democráticas; 2) a convicção segundo a qual os EUA podem utilizar o seu poder para "moral purposes", sendo que os EUA deveriam manter uma posição internacional activa; 3) a falta de confiança em "ambitious social engineering projects"; 4) o cepticismo relativamente à legitimidade e à eficácia das instituições e das Leis internacionais no que se refere à segurança e à justiça. ###
F. Fukuyama debruça-se, em seguida, sobre a questão da preventive war, designadamente no que se refere ao Iraque e ao mundo islâmico em geral. Seguindo as ideias de O. Roy, o jihadismo constituiria "an attempt to ideologize religion and use it for political purposes, more a product of modernity (like communism or fascism) than a reassertion of traditional religion or culture" (pág. 72-3). O autor sugere que a guerra do Iraque poderia ter sido mais bem justificada pela "untenability of the prewar sanctions regime" (pág. 79), concluindo que a doutrina americana careceria de "be revisited and revised" (pág. 94). A teoria da "benevolent hegemony", associada ao "American exceptionalism", é, de igual forma, sujeita a crítica, considerando o autor que a mesma é "untenable as a long-term basis for conceptualizing American foreign policy" (pág. 111).
Secção sem dúvida interessante é aquela na qual o autor, aliás na sequência do seu anterior trabalho "State-building", se debruça sobre o papel das instituições ("formal and informal rules constraining individual choice", pág. 122), e sobre o papel do estado enquanto "autonomous and active shaper of outcomes" (pág. 130). Para o autor, a good governance contituiria um objectivo tão importante como a democracia, mas as duas estariam de alguma forma ligadas, uma vez que a primeira dependeria do escrutínio público providenciado pela segunda (pág. 140-1).
F. Fukuyama aborda, na parte final da obra, as alternativas que se colocam relativamente ao actual enquadramento, propondo o conceito de multi-multilateralism, um conceito que vê o mundo povoado por "a large number of overlapping and sometimes competitive international institutions" (pág. 158). Neste contexto, se é de opinião que "NATO itself could get a second wind as a security organization in the wake of the collapse of the drive toward a European constitution" (pág. 172), não deixa de dar voz a quem pensa que "The world needs an alliance of democratic states" (pág. 176).
Em conclusão, trata-se de uma interessante obra na qual F. Fukuyama se encontra, em alguma medida, diante de si próprio, uma vez que visita de novo o mesmo território de "The end of history and the last man", aliás discutido no texto (pág. 53-55). Confiemos no prognóstico do autor (pág. 55) "Democracy in my view is likely to expand universally in the long run".
José Pedro Lopes Nunes
No prefácio, F. Fukuyama dá conta de uma preocupação central da obra - reflectir sobre o movimento neoconservador e sobre a posição dos EUA no mundo, especialmente após constatar que "unlike many other neoconservatives, I was never persuaded of the rationale for the Iraq war" (pág. x).
É dissecada a referida doutrina neoconservadora, desde logo nos seus aspectos históricos, incluindo análises ao pensamento de L. Strauss e de A. Wohlstetter, entre outros, culminando (pág. 48-9) numa súmula da referida doutrina, caracterizada, segundo F. Fukuyama, por quatro vectores fundamentais, a saber: 1) a convicção da importância do cariz interno dos regimes políticos e de que a política externa deve ter em conta os valores das sociedades liberais e democráticas; 2) a convicção segundo a qual os EUA podem utilizar o seu poder para "moral purposes", sendo que os EUA deveriam manter uma posição internacional activa; 3) a falta de confiança em "ambitious social engineering projects"; 4) o cepticismo relativamente à legitimidade e à eficácia das instituições e das Leis internacionais no que se refere à segurança e à justiça. ###
F. Fukuyama debruça-se, em seguida, sobre a questão da preventive war, designadamente no que se refere ao Iraque e ao mundo islâmico em geral. Seguindo as ideias de O. Roy, o jihadismo constituiria "an attempt to ideologize religion and use it for political purposes, more a product of modernity (like communism or fascism) than a reassertion of traditional religion or culture" (pág. 72-3). O autor sugere que a guerra do Iraque poderia ter sido mais bem justificada pela "untenability of the prewar sanctions regime" (pág. 79), concluindo que a doutrina americana careceria de "be revisited and revised" (pág. 94). A teoria da "benevolent hegemony", associada ao "American exceptionalism", é, de igual forma, sujeita a crítica, considerando o autor que a mesma é "untenable as a long-term basis for conceptualizing American foreign policy" (pág. 111).
Secção sem dúvida interessante é aquela na qual o autor, aliás na sequência do seu anterior trabalho "State-building", se debruça sobre o papel das instituições ("formal and informal rules constraining individual choice", pág. 122), e sobre o papel do estado enquanto "autonomous and active shaper of outcomes" (pág. 130). Para o autor, a good governance contituiria um objectivo tão importante como a democracia, mas as duas estariam de alguma forma ligadas, uma vez que a primeira dependeria do escrutínio público providenciado pela segunda (pág. 140-1).
F. Fukuyama aborda, na parte final da obra, as alternativas que se colocam relativamente ao actual enquadramento, propondo o conceito de multi-multilateralism, um conceito que vê o mundo povoado por "a large number of overlapping and sometimes competitive international institutions" (pág. 158). Neste contexto, se é de opinião que "NATO itself could get a second wind as a security organization in the wake of the collapse of the drive toward a European constitution" (pág. 172), não deixa de dar voz a quem pensa que "The world needs an alliance of democratic states" (pág. 176).
Em conclusão, trata-se de uma interessante obra na qual F. Fukuyama se encontra, em alguma medida, diante de si próprio, uma vez que visita de novo o mesmo território de "The end of history and the last man", aliás discutido no texto (pág. 53-55). Confiemos no prognóstico do autor (pág. 55) "Democracy in my view is likely to expand universally in the long run".
José Pedro Lopes Nunes