Eu diria que é sobretudo a arquitectura do nosso sistema político que está em causa, sendo o sistema eleitoral uma das suas vertentes, que urge alterar radicalmente. Mas para que daí surtam efeitos, há que ir à raiz do problema que, quanto a mim, decorre de dois factores:
- Uma efectiva falta de separação de poderes em Portugal;
- Um excesso de intermediação partidária na vida política (e não só).
A falta de separação de poderes e consequente inexistência de contra-poderes (os chamados checks & balances) é visível na menorização do Parlamento enquanto órgão legislativo e instituição de controlo do executivo. Toda a acção daquele é telecomandada pelo governo e pelos directórios partidários via líderes parlamentares, a tal ponto que os deputados não passam de simples marionetes sem vida própria e com as iniciativas totalmente coarctadas. Longos anos deste sistema redundaram na percepção pelo eleitorado da perfeita inutilidade do Parlamento e seu consequente desprestígio. A motivação do voto nas legislativas, raramente tem a ver com a qualidade dos candidatos de um determinado círculo, geralmente desconhecidos dos eleitores e "importados" de Lisboa, mas sobretudo com a aceitação ou rejeição de um "candidato" a primeiro-ministro. As próprias campanhas são ultra-personalizadas nas figuras dos líderes partidários com chocante ostracismo dos restantes 225 candidatos. Ora, se o eleitorado vota de facto num primeiro-ministro, porque não elegê-lo separadamente?
A eleição separada do executivo e do legislativo, permitiria uma saudável separação e autonomização destes dois órgãos de poder e um reforço das funções de mútuo controlo. Mas tal exigiria que os respectivos titulares tivessem de responder directamente perante o eleitorado e seria então necessária a implementação dos círculos uninominais.
Necessária mas não suficiente. No actual sistema, os deputados estão bem conscientes que a sua subsistência não depende dos eleitores do seu círculo, mas da sua fidelidade aos apparatchiks partidários, locais ou nacionais, que detêm o poder de os nomear candidatos elegíveis. É fundamental portanto a "concorrência" de candidatos independentes e que a escolha dos candidatos partidários seja efectuada em primárias, preferencialmente abertas a todos os eleitores e não apenas aos militantes. A manutenção daquele poder iria desvirtuar os círculos uninominais, pela dupla fidelidade e conflitos de interesses a que os deputados estariam sujeitos. Junte-se a isto a aberração do "círculo nacional", garante da sacrossanta proporcionalidade, que se pretende criar em paralelo e corremos o risco de vir a ter um sistema ainda pior do que o actual.
Ou seja, o cerne da questão reside numa radical reforma dos partidos com a inerente extinção dos respectivos aparelhos. Coisa impensável de fazer por decreto e muito menos por auto-regeneração, dada a lamentável falta de instintos suicidas dos apparatchiks...