DÉFICE
Quando vejo os valores do défice que este Governo e os que o antecederam resolvem apresentar, sempre acompanhados de acusações das oposições, lembro-me sempre de uma frase que ouvi a um amigo: "Os números devem ser torturados até que confessem" - e já não há dúvidas que o actual Governo parece apostado em fazê-los confessar coisas indizíveis.
Como hoje escreve Sérgio Figueiredo no Jornal de Negócios, "todos os Governos deixam a República mais endividada mas só um é mentiroso: o anterior".
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Aquilo que, enquanto cidadão, não consigo compreender é como é que se conseguiu esta enorme façanha:
- Aumentar o IVA, subir mais alguns impostos (combustíveis, tabaco, etc.), forçar uma contenção das despesas quase asfixiante para algumas instituições que ainda são públicas (Universidades), limitar os gastos com a função pública,
- Alcançar um défice de 6,02%, ainda maior do que o dos Governos anteriores, mesmo descontando a imoralidade das "MEDIDAS EXTRAORDINÁRIAS" - o défice do ano passado teria sido de 5,2%.
- E surgir publicamente a apregoar que esse número é uma grande vitória face às circunstâncias - dá a ideia ao cidadão comum que estas "circunstâncias" têm o condão de piorar cada vez mais a sua própria situação à medida que tornam inócuas quaisquer tentativas de solução do problema.
Não pode ser levada a sério a proclamação de que se teve sucesso porque não se atingiram as previsões de uma Comissão - o défice deve ser copmparado com os anteriores e não com prognósticos - isso é jogo político e uma tortura ainda maior dos números.
Este Governo está a contar com uma notável complacência por parte da União Europeia, nomeadamente devido a que o Pacto de Estabilidade e Crescimento ter sido realmente considerado mesmo "estúpido" de forma oficial - e se calhar foi-o estupidamente?
Também não se percebe como é que um Governo que se afirma apostado em reduzir o défice conjuga essa intenção com a resolução de embarcar em investimentos gigantescos como acontecerá com a Ota e o TGV.
E é, infelizmente, esta manifesta incapacidade de fazer face ao resvalamento das despesas por mais "contenções" e refreamentos nos gastos públicos que está na origem da lógica da reforma da Administração.
Também existem, ainda demasiadas mordomias para os altos quadros públicos, sem qualquer justificação.
REFORMA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - pré-compreensões
A Reforma não pode ser motivada apenas por razões de crise financeira - caso contrário estará condenada à partida
Num livro famoso, "O Mistério do Capital", Hernando de Soto reflectiu acerca da relação inequívoca existente entre o desenvolvimento geral de um país e alguns factores, designadamente:
- A certeza do Direito (clareza) e a capacidade da ordem jurídica fazer valer as suas determinações (sobretudo a protecção ao direito de propriedade);
- O modo mais ou menos complexo como o particular se relaciona com a Administração Pública, o nível da burocracia e o da lógica umbilical da AP;
- A conclusão a que chega é que quanto mais desenvolvida é uma nação maior também é o grau de fiabilidade do seu Direito e mais transparente é a sua relação com os poderes públicos administrativos;
- Por exemplo, comparando os níveis de decisão e o número de vezes que um particular tem de esperar por mais uma etapa administrativa num país do terceiro mundo (milhares de "passos" e mais de uma dezena de anos para legalizar um terreno e construir uma casa sem saber sequer se ela estará mesmo legalizada) ou num país como o Canadá ou a Nova Zelândia, as diferenças são abismais;
E é aí que residem muitas das razões que explicam o desenvolvimento ou o atraso dos povos.
Há quem diga que os portugueses são um povo religioso - acredito que sim. Mas a verdadeira crença que eu observo em quase todo o lado é a que radica no Estado como alicerce, fundamento e limite daquilo que somos como pessoas e como Sociedade.
Esta constatação propicia um paradoxo terrível e com consequências perversas: é que as "nossas maiores tradições" são o mau Governo e o péssimo funcionamento da Administração (incluindo a máquina da Justiça).
Somos, inegavelmente, na nossa área civilizacional, o país em que a AP é mais cara, mais ineficiente, e aquela cujos resultados provocam maior insatisfação aos administrados.
Ora, um país em que tudo depende do Estado e em que este funciona tão mal há tantos e tantos anos, e em que este sistema de crenças raramente é posto em causa com autenticidade, é um país:
- Complicado;
- É um doente sem consciência da origem do seu mal e a quem o processo de cura causa repugnância;
Mas, paradoxalmente, não vejo ninguém a confessar que este modelo de Estado falhou.
Não encontro muita gente a defender alternativas a este modo de conceber os poderes públicos e a tentar redefinir o papel do Estado.
Mas, tenho para mim, que o panorama que temos diante de nós ?e não só em Portugal - revela a falência deste modelo chamado ?social? e traz a necessidade de se encontrarem novos paradigmas.
O primeiro-ministro José Sócrates disse que esta reforma pretendia uma "Administração Pública para o século XXI" - mas, apesar dos inegáveis pontos positivos das intenções anunciadas, temo que se esteja a remendar um modelo gizado e adaptado ao séc. XX em que o Estado continua a ser tido como o fazedor da felicidade dos indivíduos e da sociedade e não esteja confinado ao seu papel de fiscalizador dos comportamentos.
A tradição liberal prefere os bons comportamentos às boas causas.
O socialismo pôs o acento tónico em fins ideais (muitas vezes, historicamente, sem se importar com os meios) e cedo derivou na desresponsabilização do indivíduo e da sociedade ao colocar todo o peso da prossecução desses fins no Estado.
O que é um duplo erro: o Estado ficou com um imenso poder, por um lado; e, por outro, usa-o, prioritariamente, para prosseguir os seus próprios fins específicos, organizacionais e financeiros, deixando para plano muito remoto os interesses das pessoas.
A boa causa do Estado, de qualquer um, é (se assim for consentido) a justificação da sua própria existência e o incremento do seu poder sobre as pessoas.
Se esta reforma for concretizada apenas porque os tempos estão maus e é preciso poupar, tudo indica que mal passe a tempestade voltemos irresponsavelmente a cometer os mesmos erros.
O que é necessário é uma mudança de paradigma do Estado, uma alteração substancial no modo como o perspectivamos, o repensar do seu papel ? é a partir daí que uma Administração para o séc. XXI deveria emergir.
Os partidos têm uma incapacidade genética de concretizar alternativas ao Estado Social.
É típico de todas as épocas, sobretudo as de decadência, julgarem que atingiram o modelo mais perfeito de existência.
Seria bom não perdermos esta oportunidade de largar o passado e apostar no futuro sem termos, depois, e como sempre, de andar atrás dos outros que tomaram a dianteira na mudança.
Esta reforma corre o sério risco de se tornar num conjunto de remendos fora do tempo - seria como fazer uma intervenção cirúrgica a um moribundo na expectativa de que ele dure mais 100 ano...
A REFORMA global
Dúvidas:
É um esforço de transformação no sentido positivo - globalmente bem determinado e com objectivos interessantes (apesar das dúvidas quanto às suas motivações).
Mas é um anúncio de intenções: mais um anúncio, dos muitos que têm sido feitos na última década, mais ou menos um por Governo.
E o cidadão perante tantas declarações e compromissos nunca cumpridos tem o direito de duvidar se será desta.
É a clássica história do "Pedro e do Lobo": já tantas vezes nos prometeram em vão que só acreditaremos quando ela estiver realizada.
A atitude do ministro Alberto Costa no caso da PJ não deixa de fazer lembrar a "arte de bem guterrar a toda a sela"(passada sexta-feira), i.e. recuar logo que se levantam protestos mais veementes contra a mudança.
Caso venha a ser efectivado, este esforço vem demonstrar que os últimos 10 anos foram do pior possível em termos de governação do país.
Desde o Governo Guterres a Durão Barroso e culminando no episódio Santana Lopes, políticos sem coragem e com poucos escrúpulos não fizeram atempadamente as reformas necessárias, adiaram o inadiável, usaram e abusaram de truques orçamentais, camuflaram a realidade e contaram uma história que não existia.
Com isto acentuaram a crise a níveis inimagináveis, degradaram a qualidade de vida dos portugueses e sacrificaram uma geração de jovens que parte para o mercado de trabalho angustiada e sem perspectivas.
Manuela Ferreira Leite - congelamento das admissões na função pública "foi a medida mais estúpida" (então não deveria ter sido tomada), mas também foi ineficaz.
Durão Barroso apresentou uma reforma com 4 diplomas base - nunca funcionou e tudo continuou na mesma.
Também criou uma Bolsa de Emprego Público para assegurar a MOBILIDADE - também nunca funcionou.
Durão Barroso, ainda, prometeu rever as funções do Estado (incapacidade genética) - nunca o fez (David Justino por ter sido ministro de Durão não está em posição moral de se pronunciar como o fez).
Neste momento, o Governo tem na mão a oportunidade irrepetível de cumprir o que anunciou - mas nunca se pode esquecer da transparência, não pode confundir comunicação com propaganda desenfreada, e, sobretudo, tem de estar ciente da impossibilidade de "Guterrar".
Estas reformas parecem desvalorizar a questão da mentalidade que grassa na AP - se podes complicar, porque não complicar? Isto não se resolve com actos legislativos mas com uma cultura de responsabilização individual.
SIMPLEX 2006
Inscreve-se, essencialmente, no domínio da actividade administrativa. Visa agilizar procedimentos decisórios, eliminar obstáculos burocráticos, aproveitar os novos meios tecnológicos para facilitar o acesso do cidadão aos serviços administrativos.
A sua elaboração coube à Unidade de Coordenação da Modernização Administrativa e responsabiliza todo o Governo e não apenas um ministério ou sector.
A UCMA controla a execução do programa e trimestralmente dará conta da sua concretização.
O próprio Simplex se auto-define como um programa-piloto e necessariamente incompleto, já que está aberto a novas medidas, já em 2006, resultantes da avaliação da sua concretização, bem como do estabelecimento de novas prioridades e objectivos - simplificação preventiva e simplificação correctiva.
Duas partes:
- Na I parte, existe uma avaliação do impacto normativo (custos administrativos da legislação) a cargo da Presidência do Conselho de Ministros);
- Na II parte, a UCMA lidera o processo de simplificação correctiva, i.e. a definição das medidas que vão influir directamente na vida dos cidadãos.
São 333 medidas concretas, com data prevista de execução, com uma previsão de custos, impactos e supressão de passos administrativos, nos vários domínios da actividade do Estado Central: (pág. 27)
- Eliminação de certidões: 100
- Eliminação do papel: 109
- Desburocratização: 81
- Desregulamentação: 7
- Facilitação de acesso: 21
- Harmonização reg jurídicos: 15
Críticas concretas:
Excesso de frenesim publicitário. BARRETO
Algumas redundâncias - medidas já anunciadas e que voltam a ser oferecidas ao público.
Algumas incongruências: medidas que devem ser aplicadas por organismos que, no dia seguinte, o PRACE garantiu que iam ser extintos: DG Viação (ver p. 33, 34, 35).
Algumas contradições aparentes: na apresentação do PRACE pelo ministro Alberto Costa referiu-se como objectivo o "alargamento da rede de lojas do cidadão até cobrir todos os concelhos" - ora, o objectivo nº 8 do mesmo PRACE afirma que a resposta administrativa será "desenvolvida numa lógica de one-stop-shoping", i.e. Balcões Únicos.
Em que ficamos? Com uma ou com outra solução? Com as duas? Não será uma redundância e um desperdício de recursos?
A simplificação administrativa favorece bastante mais as empresas do que os cidadãos - deveria ser mais equitativa.
A avaliação da reforma é maioritariamente interna (art. Rui Moreira, Público de sexta) - é necessário que as avaliações fossem prioritariamente externas e independentes; o Estado não deve ser o agente e o árbitro das suas próprias reformas.
PRACE
Insere-se, essencialmente, na reorganização terrotorial e funcional da máquina administrativa do Estado - Ad. Directa.
Possui uma lógica maioritariamente interna, i.e. está desenhada num prisma a partir da Administração para o administrado.
Visa a "arrumação do interior da casa", a racionalização dos serviços.
(ao contrário do Simplex) Baseia-se muito mais na lógica da Administração do que na do administrado.
Como ponto de realce positivo, está o nº 7, i.e. a reorganização territorial da Ad. Directa ao nível das NUTS II, ou seja para as regiões-plano já existentes ? uma ideia que remonta ao Governo Sá Carneiro muitas vezes anunciada e nunca concretizada.
No ponto 4.3 prevê-se a possibilidade de transferir para o sector privado ou social "actividades não críticas para as Funções do Estado" - quais são? As críticas e as não críticas? Isso foi estudado? Onde é que está?
Disse-se que não se queria discutir quais as funções do Estado, caso contrário não se avançaria para as decisões mas o programa parte de um pressuposto que não se sabe qual é?
As actividades que podem ser transferidas são:
- Entre duas balizas - as empresas públicas e a privatização total. Passando por:
- Transformação em instituições privadas sem fins lucrativos;
- Outsourcing;
- Parcerias público / privadas.
Críticas concretas
- No ponto 4.3 (p. 14) prevê-se a possibilidade de transferir para o sector privado ou social "actividades não críticas para as Funções do Estado" - quais são? As críticas e as não críticas? Isso foi estudado? Onde é que está?
- Este programa baseia-se muito mais na lógica da Administração do que na do administrado.
- Ao contrário do Simplex, não há prazos e a execução do programa é remetida para uma série de Leis Quadro mais ou menos previstas para Junho.
- Diz-nos a experiência comum que as novas Leis Orgânicas (uma por ministério) são potenciadoras de atrasos e de complicações na actividade dos serviços ? cuidado não adiar.
- Os supranumerários serão conhecidos em Junho - todos? Só alguns? Quais?
- E os custos desta reforma são conhecidos? Onde estão?