30.5.05

Nim?! - ou o dilema (Constitucional) Europeu - I

J. Chirac ficará associado a dois momentos problemáticos da construção comunitária:
Primeiro: a Cimeira e a C.I.G. de Nice que originou, talvez, o pior Tratado da História da Integração Europeia - sim, a versão do Tratado da União Europeia que, presentemente, está em vigência;
Segundo: um chumbo à ratificação, no seu país e em referendo, da "Constituição" Europeia.
No fundo, dado o envolvimento de Chirac em todo o processo (desde a "imposição" do Presidente da Convenção, até à campanha directa pelo "Sim"), a vitória do "Não" tem também (e muito) o significado de "Não a Chirac".

E agora, quais as consequências do resultado do referendo francês? Como será o day after (ou, mais apropriadamente, le landemain)?

O CAA entende que:"Agora só falta que a Holanda repita a dose daqui a 3 dias, para se enterrar de vez esta brincadeira de mau gosto a que quiseram chamar «constituição» e reiniciar a construção europeia como deve ser".

Apesar de não concordar com a qualificação de "bricadeira de mau gosto" relativamente ao projecto (e à ideia de) "Constituição" - pois parece fechar a porta quer a novos entendimentos do que é o "constitucionalismo", quer à concepção de que existe já, materialmente, um ordenamento jurídico constitucional (ou, pelo menos, de caracter para-constitucional) comunitário - o facto é gostava de poder concordar com os votos expressos e optimistas de reinício da construção europeia "como deve ser".

Tenho, porém, algumas duvidas.

Dúvidas não tanto de que é possível, desejável e, até certo ponto, inevitável, empreender uma nova e MELHOR revisão dos Tratados (materialmente, de «caracter constitucional», independentemente de se ousar - ou não - voltar a enfrentar o peso e o melindre político que a própria expressão encerra), mas sim, dúvidas relativamente ao processo e à metodologia que se seguirão.

Se, por um lado, poder-se-á pensar que o retorno ao velho e tradicional método (ainda vigente) da revisão "tecnica" dos Tratados, em Conferência Intergovernamental, é sempre possível (sendo ainda obrigatório, á luz do Tratado), por outro lado, todo o processo que agora foi seguido, ao longo de 3 anos (e independentemente de qualificativos constitucionais ou não; independentemente de excessos de pompa e panache da dita Convenção Giscardianamente presidida, com ou sem o auto-proclamado Praesidium) e todo o debate público e participação que, em torno desta tentativa de revisão/refundação, se geraram, levam-me, também, a pensar que, doravante, será impossivel "voltar atrás" e não sujeitar qualquer tentativa de mudança, por mínima que seja, ao crivo da discussão política nas opiniões públicas nacionais e à respectiva legitimação eleitoral.
Pelo menos, nos Estados-membros que, agora, optaram pelo referendo....

Ora, se assim for, estaremos perante uma conquista de democraticidade no funcionamento comunitário, dirão alguns... Estaremos, então e afinal de contas, perante um passo significativo na transposição do alegado déficite democrático da União Europeia....Porém, mesmo assim e nesta última hipótese, será que esta construção europeia, não estará também refém de outras guerras internas, de outros Chirac's, de outros Josés Bovés, de outros alterglobalistas, de outros anticapitalistas, de soberanistas-nacionalistas, de certos Le Pen's, de crises políticas internas, de déficites públicos e consequentes "apertos de cintos" nacionais, enfim....de qualquer tipo de "Não", contra qualquer bandeira ou fantasma (do género, "a constitucionalização da economia liberal", a "morte do Estado Social Europeu", "o poder dos países de Leste", o mau resultado no festival da Eurovision, etc., etc.), ainda que nada, mas mesmo nada, tenham a ver com a construção europeia?

A História da integração tem-nos supreendido pela facilidade e naturalidade com que tem assimilado vários tipos de (aparentes) contrariedades, crises e objectivos ambiciosos (vg., recordam-se do processo conducente ao Euro/moeda única?).... Por isso, não posso concordar com o ignorante tom alarmista, dramático, catastrófico usado em muitas 1ªs páginas da nossa imprensa de hoje (the day after); como também não concordei com todos aqueles que diziam que ou seria esta "Constitituição"....ou nada (melhor, o caos!).

O futuro dirá como devemos interpretar o "Non" francês... (cont.)