Pode parecer que estou com uma verdadeira obsessão pelo défice. A razão é que estou. Não apenas pelo défice em si, mas pela incapacidade que Portugal, enquanto país, e os portugueses, em particular, têm demonstrado em encarar o problema de frente.
Hoje não vou discutir a paternidade do mostro; já todos percebemos que ele é o filho enjeitado de pai conhecido, mas incógnito, filho de uma mulher pública, o Estado, que todos os governantes frequentaram, de bom grado, mas que, neste momento, o enjeitam (e rezam para que o teste de DNA seja negativo). É vê-los à porta do "tribunal" a tentar empurrar as culpas para o "outro".
Hoje, quero antes escrever sobre aquilo que está a ser a reacção da nova governação socialista e, sobretudo, da sociedade civil.
O país tem um problema. Muito concreto. Tem um Estado que vive acima das suas possibilidades, gasta demais, cada vez mais. Chamam a isso "monstro". Talvez seja. Mas é apenas o rostro de uma realidade ainda mais assustadora. O défice é, somente, a ponta de um enorme iceberg. Pois é: o problema não é só de tesouraria, como nos querem fazer acreditar: esse é, neste momento, o mais visível; mas se fosse apenas uma questão de défice, então a solução seria bem mais simples. Mas não é.
O Estado, além de estar com problemas de tesouraria - razão pela qual se endivida - sofre de ineficiência crónica. Produz serviços públicos que, ou são maus, ou não servem para nada. Aliás, aquilo que o Estado presta contraria de uma forma grosseira o sentido da própria palavra "serviço": na maior parte das vezes, o que nos "prestam" não "serve" mesmo para nada. Não quero cair em generalizações, pois existem muitas pessoas que de uma forma dedicada procuram cumprir com rigor as suas funções públicas, nas escolas, nas universidades, nos hospitais, nas repartições. Mas, em termos globais, e essa é a nossa agonia, existe uma manifesta desproporção entre aquilo que o Estado cobra à sociedade, e aquilo que devolve.
Temos grandes professores. Grandes médicos. Grandes juízes. Então, como é que se explica a Educação, a Saúde e a Justiça que temos? Sistematicamente, em termos internacionais, os nossos indicadores são fracos. E já lá vai o tempo em que isso era um problema de recursos: o recente estudo do Conselho da Europa sobre a Justiça contraria essa lógica: Portugal, comparando com os seus parceiros europeus, paga mais para ter uma Justiça pior.
Já todos percebemos o que é preciso fazer. A realidade é de tal forma agreste que nem sequer dá espaço para a discussão ideológica. Mesmo quem aspire a um Estado Social, não se pode compadecer com a situação do país. Porque o nosso país é, acima de tudo, um caso de polícia.
O Estado Português é um hino ao desperdício. Eu já nem sequer discuto o conceito de justiça social. Nem a "lotaria natural". Nem a luta de classes. Bastava-me que houvesse um consenso sobre eficiência e responsabilidade.
A solução adoptada não augura nada de bom. Mais impostos, certamente. Um conjunto de intenções. A exploração da inveja, com declarações públicas de rendimentos. Mas, sobretudo, "Olha para o que digo, não olhes para o que faço": enquanto prega as suas medidas, José Sócrates escolhe para uma das mais emblemáticas empresas nacionais comissários políticos como Murteira Nabo, o "ex-político agora gestor" preferido do PS, e Fernando Gomes, um dos seus mais carismáticos Barões. E já nem falo de Nuno Cardoso. Assim, nada vai mudar.
Com, ou sem Estado Social, hoje, mais do que nunca, precisamos de "verdade", "seriedade", e "bom-senso". Mas isso não se aplica só aos políticos. Aplica-se a todos. Quando um funcionário pedir horas extraordinárias sem ter trabalhado? Não aprova. O aluno faltou às aulas para ir surfar, quer um atestado médico? Não passa. O Senhor Doutor nunca está na consulta? Desculpem, onde estou com a cabeça, os médicos estão sempre na consulta, e não fazem selecção adversa de doentes, e não gastam recursos a mais, e não acumulam o sistema público e o privado, e não recebem benesses dos laboratórios por prescreverem criteriosamente, sorry, lapso meu...
José Sócrates não quer ter o discurso da "tanga". A despesa pública, diz-nos, "não é gordura, é algo de essencial para manter o Estado Social". O Titanic tem de chegar na hora programada. Portugal parece hoje um enorme barco à deriva, que o governo e o seu timoneiro acreditam que vai conseguir desviar-se. A este ritmo, mais dia, menos dia, o cubo de gelo será demasiado grande. Será que quando se inflectir a rota ainda estaremos a tempo?
Rodrigo Adão da Fonseca