30.5.05

UM PRESIDENTE QUE SE ESQUECEU DO SEU CARGO

A crescente falta de imparcialidade, por mínima que seja, de Jorge Sampaio na questão do referendo à "constituição" europeia é cada vez mais preocupante.
Aliás, desde o início, todo o ambiente que rodeia este debate está virulentamente viciado.
Primeiro quiseram impor-nos para o referendo aquelas duas perguntas esdrúxulas, tendenciosas e inextrincáveis. Até o nosso Tribunal Constitucional foi obrigado a sair, por momentos, da sua douta sorna para dizer que se estava a ir longe de mais neste procedimento sorrateiro de fazer das pessoas estúpidas a que se convencionou chamar integração europeia.
Depois, reiteradamente, o Dr. Jorge Sampaio surge a opinar, a aconselhar, a recomendar, a propagandear, a dramatizar, a difundir e a derramar sobre os portugueses todo o tipo de informação panfletária acerca das exaltadas virtudes da "constituição" europeia.
Ora o Presidente da República - e Jorge Sampaio ainda o será por mais 7 meses - tem especiais deveres de isenção na matéria de referendo já que é sua competência para acto próprio convocá-lo (alínea c) do art. 134.º da CRP) e toda a lógica deste instituto constitucional pressupõe um papel fulcral para o PR.
Do sentido interpretativo do art. 115.º da CRP retira-se que o Presidente da República é o motor e o árbitro da integralidade do processo de referendo nacional, imputação que necessariamente lhe atribui deveres especiais de imparcialidade.
É precisamente isso que tem faltado a Jorge Sampaio em todas as suas intervenções acerca da "constituição" giscardiana.
Jorge Sampaio é, em Portugal, o principal actor político na campanha do "Sim", a sua maior referência, o seu mais empenhado lutador.
Sampaio perdeu a distância que deveria ser o seu Norte nesta e em todas as matérias eventualmente sujeitas a referendo nacional, mas quanto à "C"E não exagerarei se disser que se tornou num autêntico agente provocador. Por exemplo, ainda há pouco, numa visita a França, Sampaio disse a sua opinião pessoal acerca da descriminalização do aborto - mas fê-lo cautelosamente, acentuando o seu dever de equidistância num assunto que divide a sociedade portuguesa. Cuidados que nem sequer se deu ao trabalho de disfarçar no debate acerca da "constituição" europeia...
Ao fazer conscientemente esta opção o Presidente da República está a interpretar de modo desviado as suas competências constitucionais.
Ao colocar-se a si mesmo, obcecadamente e de forma tão radical, de um dos lados da contenda, Jorge Sampaio perdeu a faculdade de a poder arbitrar, de vir a ser um magistrado sereno na disputa que se avizinha - donde, Jorge Sampaio escolheu deixar de ser Presidente da República alguns meses antes do termo do seu mandato.
Se continuar neste caminho tão equivocado quanto aos seus deveres constitucionais, acabaremos por vê-lo, nos idos de Outubro, entre as Dras. Ana Gomes e Isabel Meireles a comiciar estridentemente, citando versículos do texto da Convenção e proferindo anátemas raivosos contra os que preferem uma Europa com outro sentido.
E não é para isso que existe em Portugal um órgão de soberania denominado Presidente da República.