22.5.05

COISAS QUE O FUTEBOL TECE

Saí do Dragão e entrei no Metro, nervoso. O Porto tinha feito um jogo miserável (mais um!) e não mereceu ganhar. Entretanto, asseguravam-me que o colo encarnado tinha continuado em beleza no Bessa mas já nem essa discussão valia a pena.
Como moro a 500 metros do Bessa sabia que iria encontrar a festa dos outros no caminho de casa. Saí na estação da Casa da Música. Os cachecóis e camisolas azuis e encarnadas cruzavam-se, em silêncio, uns a sair os outros a entrar. Depois da estação já se ouviam as buzinas da festa para os lados da Rotunda da Boavista.
Tive de atravessar uns 100 metros de ermo escuro (aí, a iluminação pública é quase inexistente) até chegar a umas escadas que vão dar à rua. As pessoas equipadas à Porto apressaram-se a entrar nos carros que tinham estacionados nas imediações. Fiquei sozinho e avancei para a escuridão segurando as pontas do meu cachecol azul e branco junto ao corpo.
Nisto, vejo a descer as escadas que eu iria subir dois jovens com camisolas da cor dos outros. Caminham na minha direcção. Olho à minha volta: ninguém. Num relance apercebo-me que são rapazes franzinos e novos. Mesmo assim, a solidão em que estou e a ruidosa alegria que se percebe ao longe parecem ameaçadores. Reteso os músculos e acelero o andar na direcção dos dois. Julgo notar alguma hesitação do outro lado. Contrariando a táctica que tinha acabado de ver no Dragão, sabendo que a melhor defesa é o ataque, marquei o passo com a maior decisão que me foi possível arranjar. A tensão era enorme e estava disposto a saltar ao mínimo movimento agressivo do outro lado. Apercebi-me que um dos rapazes se estava a dirigir a mim. Um décimo de segundo de espera carregada de tempo. Foi então que ouvi:
«Boa noite, senhor professor».
«Boa noite» consegui responder num suspiro só enquanto nos cruzávamos.
Continuei o passo acelerado e ainda gritei «Não vão para a Baixa, não se metam em confusões». Disseram que não, que não, que iriam ficar pela Boavista.
Subi as escadas e cheguei a casa por entre algumas buzinadelas de radiante provocação encarnada. Mas nem prestei atenção, emaranhado em cogitações acerca daquilo que o futebol quase nos leva a fazer.