11.5.05

O triunfo do irracionalismo

Ou o uga-uga como argumento.

Os totalitarismo são ideologias irracionalistas. Tanto o comunismo como o nazismo fazem um apelo deliberado à irracionalidade. No caso do comunismo, apela-se à submissão da razão aos interesses de classe. A arte proletária, a biologia proletária e as ideias proletárias são superiores às suas homólogas burguesas, não porque o seu valor intrínseco seja superior, mas pelo simples facto de serem proletárias. No caso do nazismo, apela-se à submissão da razão aos interesses da raça. Toda a ciência e toda a cultura são avaliados de acordo com critérios raciais ao ponto de, por exemplo, a relatividade poder ser declarada uma ciência judaica, e logo inválida.

É por isso curioso que aqueles que tanto querem combater o nazismo recorram tão frequentemente a actos irracionais e mesmo a apelos deliberados ao irracionalismo. A discussão pública deixa de ser um processo de descoberta da verdade através da razão e passa a ser um pretexto para o insulto e para o palavrão. A discussão pública deixa de ser uma troca civilizada de argumentos e passa a ser uma oportunidade para a exibição de emoções.

A indignação e o ataque pessoal são elogiados e aplaudidos. Coitado daquele que não expressa a sua indignação, que não diz um palavrão. Diz-se que aquele senhor está justamente indignado e aplaude-se. Aplaude-se a exibição da emoção e o aplauso é tanto maior quanto mais intensa for a exibição da raiva. Cria-se um ambiente de grupo de linchamento em que as pessoas são elogiadas não por terem bons argumento, mas por exibirem alarvemente a sua indignação. É o triunfo do irracionalismo.

O Lutz chega ao ponto de dizer que uma tese deve ser rejeitada porque os neo-nazis também a defendem. Isto é um apelo claro ao irracionalismo. Pede-se que uma tese seja avaliada não pelos seus próprios méritos, mas por critérios de táctica política. A verdade sujeita à táctica. O Lutz, reconhece que não percebeu bem o contexto do meu post, mas isso não o impediu de fazer sobre ele juízos de valor. O JPT chegou mesmo a dizer que o conteúdo do meu post não deve ser discutido, deve ser liminarmente condenado. E faz questão de expressar o seu desprezo em relação a uma situação cujo contexto ele próprio confessa que não entendeu.

O irracionalismo institucionalizou-se. Ritualizou-se o ódio a tudo o que vagamente se assemelhe ao nazismo, que em muitos países europeus chega por vezes a tomar a forma de ódio ao alemão, como se viu no caso do Papa Ratzinger. O mesmo ódio que teve um papel em todos os totalitarismos. Foi o ódio ao judeu na Alemanha, ao burguês na Revolução Cultural, na Rússia comunista e no Cambodja de Pol Pot. Ou ódio étnico na Joguslávia e no Ruanda.

O ódio ao nazismo vai alimentando o folclore neo-nazi e empobrecendo o debate público, mas tem poucos efeitos práticos. Não é feito qualquer esforço para se entender e pensar o que está em debate, até porque se pretende anular deliberadamente qualquer hipótese de debate que não tenha as conclusões previamente definidas. A análise histórica não está sujeita a critérios objectivos mas a critérios políticos. A ritualização do anti-nazismo sob a forma de proclamações indignadas e exibição de sentimentos pode impedir o triunfo do folclore nazi, mas não impedirá o aparecimento de outros totalitarismos que escapam às análises emocinais e que requerem a análise fria dos factos.

Não é por isso por acaso que brilhantes intelectuais com um curriculum de anti-nazistas apoiaram entusiatiamente todos os tiranos comunistas, de Stalin a Fidel Castro. Estes intelectuais identificaram correctamente uma das representações concretas do totalitarismo, mas foram incapazes de, através do estudo e da discussão aberta, fria e racional tirar daí as lições abstractas válidas para todos os totalitarismos.