Ontem a RTP cumpriu a sua função de serviço público. Quatro ex-ministros das Finanças, do PS, do PSD, do CDS, explicaram de uma forma acessível os meandros do défice, sem subterfúgios. Um economista, especialista em Segurança Social, deu umas achegas interessantes. José Gil e um empresário dos Açores estiveram à altura. Nesta equação, sobra Murteira Nabo, que se limitou a fazer jus ao nome, lançando algumas piadinhas de circunstância.Nada do que lá foi dito surpreende; muitos dos aspectos debatidos já haviam sido aqui realçados no Blasfémias. O debate tem, contudo, uma enorme importância, pelos seus protagonistas, e por tudo o que lá foi dito e assumido. Das ideias apresentadas no debate, destaco:
a) O défice é uma doença crónica de que sofre a economia portuguesa, sendo o resultado das várias opções políticas de todos os governos - sem excepção - desde Cavaco Silva. Keynes reina em Portugal, e consegue encontrar por cá adeptos, mesmo quando no mundo ocidental - até nas economias que alinham no Estado Social, como é o caso dos países nórdicos - os seus livros já foram utilizados como combustível para a lareira.
b) Apenas Eduardo Catroga demonstrou capacidade política para diminuir, em termos relativos, o peso da despesa pública no PIB, nos anos idos de 94 e 95; Eduardo Catroga sai do debate coroado de glória; a sua metáfora do Estado gordinho com uns largos quilos a mais é, do ponto de vista explicativo, muito poderosa.
c) Segundo Nogueira Leite, Pina Moura procurou implementar políticas de contenção do défice e da despesa pública, no que não terá sido apoiado nem pelo Governo nem pelo Primeiro-Ministro. Pina Moura não contrariou o Professor da Univ. Nova. De uma forma low profile, Pina Moura ter-se-á afastado das lides, sem colocar em xeque o primeiro-ministro. Nogueira Leite abandonou o governo ao fim de oito meses, ao constatar que não havia vontade política de António Guterres para dar sequência às suas recomendações, tendo «retirado as devidas ilações».
d) António Guterres foi o governante que beneficiou da conjuntura económica mais favorável para diminuir o défice, tendo sido o período de 1995 a 2001 o que marcou a divergência face a países como a Espanha. Este foi ainda o período onde a adaptação às regras do Euro deveria ter sido criteriosamente acautelada.
e) Bagão Félix preparou o Orçamento do Estado em condições muito difíceis; todas as parcelas que estão identificadas no Relatório Constâncio estavam já identificadas; na sua maior parte, o valor apresentado resulta da não verificação de alguns dos pressupostos em que assentava o OGE2005. Bagão Félix teve a coragem de se apresentar no Prós&Contras, defendendo a sua idoneidade, o que deve ser motivo de respeito. As suas explicações foram claras, e ajudam a descodificar toda a dramatização nos andam a «vender».
f) Pela análise dos pressupostos em que assentava o OGE2005, porém, verificámos que o Estado orçamenta, como se diz na gíria contabilística, «sem rede», e em condições muito pouco sólidas: pelo menos, o chumbo da GALP pela EU era previsível; a desorçamentação no SNS, sendo crónica, também; era igualmente expectável que a venda do património não permitisse perfazer o montante esperado. Bagão saberia tudo isto melhor do que qualquer um de nós. Só que estes seriam talvez os únicos trunfos de que dispunha, e os burocratas de Bruxelas estavam ali mesmo, a bater à porta. Bagão entrou no «quarto do governo», e encontrou o Estado «nu»; teve de o «vestir à pressa». Para este «caber nas calças», tamanho «défice de 3% do PIB», Bagão «encolheu a barriga» do Estado, rezando para que o «botão» não rebentasse. Concordo com Bagão Félix quando diz que é mais fácil dizer do que fazer. E, também, admito que, no seu contexto de governação, e com a situação tal como ela foi apresentada, não seria possível fazer melhor. Na minha opinião, até, muito foi feito. Só que, enquanto, pelos vistos, Bagão andava a fazer das tripas coração, Santana Lopes anunciava que a situação orçamental tinha folga (talvez tenham sido ilusões de óptica por ver a «barriga encolhida»), anunciando que, em 2005, poderiam ser aumentados finalmente os funcionários públicos.
g) Ficou ainda claro que a situação orçamental do país é conhecida, pelo menos pelos profissionais do sector, desde há vários meses, o que reforça a ideia de que toda esta tragédia grega não passa de um belo exercício teatral do Governo para não cumprir o seu programa eleitoral. Só Murteira Nabo afirmou ter sido apanhado de surpresa. Pois...
É, pois, chegado o momento de alterar este círculo vicioso. A culpa é de todos os governantes, com raras excepções, com maior ou menos intensidade, que tiveram responsabilidades desde 1991. Os apelos do povo são: «Parem de fazer queixinhas uns dos outros» e «Tratem de agora fazer o que tem de ser feito: sem mentiras».
Estará José Sócrates e o governo socialista à altura do desafio? Não temos outro remédio senão esperar que sim, ver o que nos vai ser dito, que medidas se perfilam, e se vão ou não ser devidamente executadas.
Cá estaremos para comentar os acontecimentos...
Rodrigo Adão da Fonseca
P.S. Jorge Coelho está surpreendidíssimo com o estado das contas públicas. Está, ainda, incrédulo, porque descobriu que afinal a Britney Spears já não é virgem; e que as da Pamela Andersen não são originais.