A minha posta de justa indignação à expulsão de Vale e Azevedo da agremiação que marcou para sempre teve reacções descabeladas da parte de muitos encarnados que mergulharam na amnésia voluntária para evitar confrontarem-se com os seus fantasmas.
Por causa disso, e ainda devido a uma polémica acerca do "português típico", republico aqui um excerto de um texto que escrevi para o Semanário, em 6 de Dezembro de 2002:
«Com enorme desgosto o digo, o Benfica de João Vale e Azevedo somos todos nós, portugueses. Por mais que desejássemos que não tivesse sido assim, todos nos criamos num "caldinho" de cultura comodista, conformista, estatista, centralista, sebastianista e - manifestamente - benfiquista.
O culto do "espertalhão", que soube chegar lá sem se esforçar.
O encanto que encontramos no atrevimento da mentira que se sabe que é, mas que se aceita como se não o fora.
O facilitismo que tudo aligeira.
A insuperável tendência para o improviso que tudo faz perigar.
A endémica desorganização.
A depreciação do mérito.
A crença absoluta na redenção da desgraça por acção de uma entidade divina ou por intervenção estatal.
O alijar qualquer hipótese de responsabilidade para os ombros alheios.
A desculpa pronta.
O queixume permanente em face das dificuldades.
O desplante como atitude existencial.
A insuperável lei do menor esforço na esperança da maior recompensa.
Tudo isto JVA soube interpretar e quis protagonizar. As óbvias saudades que deixou demonstram que teve bastante êxito. Humildemente, no entanto, sou de opinião que cometeu um erro estratégico claro: não devia ter escolhido o futebol para expressar os seus inegáveis talentos, mas sim a política. Nessa arte - isso sim! - que futuro auspicioso lhe estaria reservado.
Para um homem com o seu engenho apenas o céu seria o limite.»