Caro Rui Tavares,
Li com atenção a sua resposta e as considerações que faz sobre o meu post. Fico satisfeito, assim, por constatar que ambos somos intolerantes em relação ao tráfico de influências, e que no Barnabé existem pessoas que, como no Blasfémias, são contra a "estatização da sociedade". Subsistem contudo, algumas diferenças em relação às quais quero demarcar-me, a começar pela facilidade com que o Rui Tavares - à semelhança, aliás, do Daniel Oliveira, seu companheiro de luta, ontem no "Eixo do Mal" - comenta casos concretos, que envolvem pessoas e processos complexos, cujos meandros qualquer um de nós não conhece na globalidade.
Na verdade, o meu caro insiste em discutir esta matéria a partir do famoso montadogate (não lhe chamaria sobreirogate, pois isso conduziria a uma discussão mais ampla, alargada a outros concelhos, que não Benavente, levando a que, eventualmente, o Rui Tavares tivesse de fazer uma inflexão quase-circense, do tipo "duplo mortal encarpado", para explicar as razões pelas quais seria a favor do abate de sobreiros em Setúbal).
Eu, da minha parte, não estou especialmente interessado em discutir questões concretas. Caso tivesse vocação para juiz, ter-me-ia candidatado à magistratura, ou procuraria ser "jornalista de investigação". Não vou também maçar quem me lê com preceitos do Direito Romano, embora reconheça que ao post do Rui Tavares o ius romanum lhe confere uma certa profundidade.
O que fiz, nos meus posts anteriores, aqui e aqui, foi aproveitar a ocasião para enfatizar uma das ideias fundamentais do liberalismo: que a existência da burocracia estatal conduz, sistematicamente, e em diversas situações, a uma transferência indevida para a esfera pública da tutela da propriedade privada, muito para lá daquilo que é desejável e até, necessário.
Ora, caro Rui Tavares, ninguém hoje defende - nem mesmo no panorama liberal - que a propriedade se traduz num direito irrestrito, que não possa ser, em certas situações, objecto de limitação. Fala de "fachadas", "mercúrios", e outras coisas que tal. Obviamente ninguém está a discutir tamanhas vulgaridades, nem ninguém contesta que nessas situações se justifica a tutela pública.
Agora, conceda-me, também, que a burocracia estatal representa um dos maiores óbices ao normal funcionamento da economia sendo, até, um ilegítimo obstáculo à efectiva fruição da propriedade.
Experimente fazer obras - não na fachada de um Museu ou de uma relíquia histórica qualquer da sua terra - mas na fachada de sua casa. Será assim tão necessário que o projecto tenha de ser objecto de "autorização camarária"? Justificar-se-ão a espera e as idas sistemáticas aos Serviços Camarários para saber o status do processo? Não bastaria a assinatura do projecto por um arquitecto devidamente inscrito na Ordem?
Vamos imaginar, ainda, que o Rui Tavares decide abrir uma fábrica (não se sinta ofendido: estou a falar apenas no plano hipotético; além do mais, deve haver subsídios para isso). Será que se justifica o licenciamento? Não bastaria que o Rui Tavares cumprisse os pressupostos exigidos pela lei, sujeitando-se às sanções em caso de incumprimento? Será que faz sentido esperar dois, três anos, até ao desespero, pelo "papelinho"? Ou, à semelhança do Luís Lavoura, acha que o licenciamento é essencial para afastar o "risco" da decisão privada (caro Lavoura, sempre a considerá-lo, mas esta entrou para os anais do Blasfémias!)?
Meus caros, não tenham dúvidas: este terreno é fértil para que floresça a corrupção. Para além de custar uma fortuna ao país - é preciso pagar salários, espaço, água, luz, telefone, deslocações, despesas com segurança social, etc... - que ajudam a engordar o défice. E já nem falo no tempo perdido pelos privados quando têm de lidar com a "burrocracia" (que representam perdas de produtividade face ao exterior) .
Quando o Estado se interpõe ao normal funcionamento da Economia, criando obstáculos desnecessários e limitando indevidamente a fruição da propriedade, enfraquecendo-a, retira competitividade ao país, e atenta à Liberdade. E quem considera isto uma "opinião escaganifobética" e a confunde com questões de sobreiros e outras coisas que tal demonstra ter - nesta matéria - um pensamento anacrónico, a tresandar a naftalina, de uma actualidade próxima das fontes do direito (romano) que cita.
Rodrigo Adão da Fonseca