9.5.05

Sobre as tentações keynesianas (a propósito do artigo do Professor António Borges no DE)

Hoje, o Professor António Borges (AB), na sua coluna quinzenal no Diário Económico (link apenas disponível amanhã), alerta para a aparente "tranquilidade" com que o governo socialista tem encarado as contas públicas. Num excelente texto - que intitulou de "A tentação keynesiana" - AB alerta para os riscos de uma gestão do défice pelo lado da receita, baseado num pretenso "crescimento económico":

"(...) Por detrás desta abordagem tranquila e desta ideia de que não se deve actuar de imediato estará sem dúvida uma visão muito keynesiana de que não há nada de errado em estimular um pouco a despesa; de que as medidas de redução do 'deficit' até agravam a recessão (...) Com tantos desempregados, tantas empresas em dificuldade, tanto pessimismo generalizado, o défice público não pode ser, nesta visão das coisas, a primeira prioridade. Há que, antes de mais, criar mercado para tanta capacidade de produção não utilizada (...)".

AB, de uma forma subtil, coloca o dedo na ferida:

" (...) O problema é se a verdadeira origem das nossas dificuldades é outra. Se a razão de tanto desemprego e tantas falências não está na falta de procura mas sim na falta da competitividade da oferta. (...) Nesse caso, de nada serve aumentar a despesa ou estimular o crescimento com uma certa tolerância de um 'deficit' orçamental alto. Todo esse estímulo se consome em aumento do 'deficit' externo, sem travar minimamente o cancro que continuará a minar a viabilidade da retoma da economia (...)".

Sábias palavras as de AB.

A estas junto as do Professor Pedro Pitta Barros (PPB), também no Diário Económico de sexta-feira (6-5-2005, link activo), que aborda a questão de um outro prisma, mas igualmente com grande interesse e digno de registo:

" (...) Nesta semana divulgou-se mais um Boletim Económico do Banco de Portugal (...). Três aspectos na análise da economia portuguesa em 2004 que merecem um pouco mais de atenção são: o crescimento do endividamento dos particulares, o desequilíbrio comercial com o exterior e fraca consolidação orçamental.

Sobre o último elemento, regista-se o aviso que nalguns meios começava a ficar esquecido: a prazo, o crescimento económico será comprometido pela incapacidade em conter a voracidade da despesa pública. Continuam a ouvir-se, e repetir-se, esses argumentos; continua-se sem saber que opções de corte na despesa pública existem, e que devam ser colocadas à discussão dos portugueses.

Mas se esse é um problema que de alguma forma se poderá encontrar na mão do Governo (dada a história recente, encontrar-se-á realmente?), já os outros dois elementos só indirectamente podem ser influenciados pelo Governo, e na verdade até seria preferível que o rumo actual fosse alterado pelo livre funcionamento da economia. (...)".

Eu, já aqui no Blasfémias - logo nos meus primeiros posts neste blogue, aqui e aqui - tinha alertado para a influência keynesiana («A miopia de Keynes e dos seus seguidores») evidente no programa do governo do Partido Socialista, onde basicamente se prevê solucionar a questão do défice pelo lado das receitas. Do mesmo modo, alertou-se para a intenção de manter o peso do Estado na prestação dos serviços públicos, o que implica, necessariamente, a manutenção - ou até, a prazo, o aumento - da fiscalidade, impedindo que se libertem recursos para pessoas e empresas, aspecto que poderia - haja "unhas para tocar viola" - servir para aumentar a produtividade e fazer crescer a Economia...

Sobre esta questão, e para quem tiver interesse, recomenda-se a leitura de um livro fantástico de James M. Buchanan M. e Richard E. Wagner (1977): Democracy in Deficit: The Political Legacy of Lord Keynes, Academic Press.

Rodrigo Adão da Fonseca

P.S.: Desde a semana passada que o mundo mediático anda entusiasmado e em alvoroço com as "flat rates". Paradigmático o artigo no "Expresso" de Sábado. Desenganem-se, contudo, os que acham que o governo PS terá "tentações" liberais. As "flat rates" são, na perspectiva liberal, interessantes quando, à simplicidade na cobrança, se associam baixas taxas de tributação: é esta a razão do seu sucesso, v.g., no Leste Europeu. Aqui, estou convencido - e veremos se o tempo me dá ou não razão - avançaremos para um cenário, apenas, de eliminação de benefícios fiscais, com uma pequena descida das taxas: o objectivo, contudo, é aumentar a receita. Esta será uma versão "flat" do que foi já ensaiado por Bagão Félix. Os cenários macro-económicos impedem outro tipo de veleidades...

P.S.(D): O partido anda entertido nas lides domésticas, com o aborto, com a limitação dos mandatos, com a venda de aspirinas "sem chumbo" e outras coisas, interessantes, mas, face aos reais problemas, intranscentes. A rábula do PS está a funcionar na perfeição. Salva-se AB que não deixa de fazer, neste plano, alguma oposição construtiva. E o Blasfémias, claro, que esse nunca se distrai nem tem necessidade de fazer "faxina". E os economistas preocupados, como PPB, que querendo o melhor para o país, estão, infelizmente, para Portugal como o Padre António Vieira está para os peixes... Toca a acordar, pessoal!